“The Trial of the Chicago 7”, resistência e incorporação

 Um dos mecanismos de auto manutenção do capitalismo tardio é a incorporação cultural. Esta consiste na capacidade da ideologia predominante em incorporar símbolos culturais de resistência ideológica, sejam estes filmes, livros, movimentos ou até figuras históricas. Durante este processo, a crítica ao capitalismo presente na resistência é branqueada, domesticada e mercantilizada.

Um dos exemplos mais notórios de incorporação é o movimento hippie, que surgiu nos Estados Unidos como um movimento juvenil nos anos 60. Apesar de ser um movimento bastante abrangente, valores como antimilitarismo, ambientalismo, liberdade artística e emancipação sexual estavam presentes em quase todos os seus apoiantes. Esta subcultura atingiu o seu apogeu nos protestos contra o envolvimento militar dos EUA no Vietname.

O filme referido no título trata-se, precisamente, de um caso de tribunal que aconteceu em Chicago, em 1968, que envolvia 7 arguidos - Abbie Hoffman, Jerry Rubin, David Dellinger, Tom Hayden, Rennie Davis, John Froines e Lee Weiner.
Estes 7 indivíduos foram acusados pelo governo federal americano de conspiração e incitação à violência face ao seu envolvimento em protestos contra a guerra do Vietname.
Uma das figuras centrais no caso, Abbie Hoffman, foi ativista político e fundador do Partido Internacional da Juventude (Youth International Party ou, mais comumente, yippies). Anarquista convicto, defendia a abolição do estado a qualquer custo e dos seus aparelhos ideológicos. Foi uma figura relevante na resistência anticapitalista do movimento hippie.
Isto parece não ser o caso no filme de Aaron Sorkin. O referido ativista é apresentado no filme como alguém descontente não com o status quo em si, mas sim com as pessoas em cargo do sistema. É desta maneira que a atenção é desviada do capitalismo e voltada para os indivíduos. A crítica anticapitalista do verdadeiro Abbie Hoffman perde-se no caminho, é branqueada e incorporada na cultura capitalista.

Uma das falas finais de Abbie Hoffman ilustra perfeitamente o mecanismo aqui em jogo: “I think the institutions of our democracy are wonderful things, that right now are populated by some terrible people". 
A resistência é assimilada e, consequentemente, fortalece a ideologia predominante. Ao voltarmos as nossas atenções para os indivíduos no poder esquecemos a raiz do mal - o poder em si.



Cinema, arte e a máquina dos blockbusters

     Nos últimos dois anos, a indústria do cinema sofreu profundamente, como é sabido, no entanto, no final deste ano de 2021 alguma vida voltou a pulsar nas salas de cinema, com o lançamento do mais recente capítulo do universo cinemático Marvel: Spiderman: No Way Home, que já conta com mais de um milhar de milhão de dólares arrecadados em bilheteiras por todo o mundo.

    Trata-se de mais uma prova da preferência deste tipo de filmes pelas massas e a supremacia dos filmes de super-heróis na indústria, uma tendência que veio transformar os métodos das grandes produtoras de Hollywood, que centraram a produção dos seus blolckbusters neste género e, de facto, resulta, pois, por exemplo, no caso da Marvel, dez dos seus filmes ultrapassaram esta marca do milhar de milhão em bilheteira nos últimos dez anos. No entanto, o que causa exatamente este sucesso, e o que significa para a indústria cinematográfica? 

    Não posso excluir-me da multidão que aprecia estes filmes, visto que também fui ao cinema quase dois anos desde a última vez para ver este mesmo filme, e saí satisfeito, como toda a audiência, no geral. Porém, estes produtos que conseguem produzir lucros imensos seguem um padrão formulaico, algo apontado até por grandes nomes do cinema, Martin Scorsese catalogou-os como uma ida ao parque de diversões e de não serem verdadeiro cinema, Ridley Scott apontou para guiões narrativos aborrecidos e pouco ousados. São filmes que antes da arte, são um produto que almeja maximizar o lucro e deixar o palco pronto para o próximo, e isto reflete-se no cinema atual, uma indústria onde a visão artística é sufocada em proveito do lucro que este tipo de filmes trazem. 

    Uma obra-prima cinemática fica na memória pela sua estética, passam de geração em geração, a sua mensagem, valores, personagens deixam uma marca duradoura, essencialmente. São experiências intemporais para serem apreciadas e reapreciadas, e estas produções, no entanto, refletem toda uma atitude perante o quotidiano, de experiências imediatas e descartáveis, para um público impaciente que exige recompensa e satisfação momentânea, o espelho da atualidade em que informação é acessível e, no entanto, apenas se rodeia por aquela que satisfaz a opinião individual de cada um, uma realidade onde o debate de valores e ideologias encontra-se quase impossível de se concretizar sem ser reduzido a um amontoado de insultos, ou seja, apresentar algo por definição "diferente", que apanhe o estipulado de surpresa é uma jogada arriscada que, quando envolve dinheiro, torna-se impensável, e no cinema, na sua arte, que procura explorar os seus limites e confrontar o público através dos seus atores, técnicas de filmagem, narrativas. Basicamente, a arte do cinema tornou-se inviável, mas o negócio do cinema está vivo e de boa saúde, uma máquina bem oleada que produz e lucra quase sem margem margem de erro, sem risco.            

     

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