O típico


Hoje acordei para visitar o local, com o qual terei de dialogar para criar o meu projeto de escultura. Mas acabei por me deparar com algo que me deixou extremamente revoltado, como um voltar a infância e um voltar ao meio onde cresci.

  Hoje fui a uma pequena aldeia mineira chamada Lousal, que é um espelho do Alentejo em que cresci, que tem menos do que o Alentejo em que os meus pais cresceram, que tem mais do que o Alentejo em que os próximos vão viver. Um Alentejo em coberto de lonas brancas, com aquelas típicas folhas brancas que dizem: em manutenção. É pena estas folhas não terem data, pois pelo tempo que muitas tem já podiam ser consideradas relíquias. Foi assim que eu cresci, numa cidade de relíquias, uma escola que é uma relíquia, com um cinema que é uma relíquia, museus que relíquias são, todos com os mesmos vulgares papeis brancos a dizer: em manutenção. Eu tenho uma vaga ideia de como eram estes sítios antes do aparecimento destes papeis que parecem ter algo em comum com as ortigas, espalham-se e parece que há de dar comichão arrancá-las.

  Como é que possível alguém crescer completo privado do que tem a frente dos olhos por mero egoísmo daqueles que mandam, tenho presente na minha memoria que todos os anos desde que sou pequeno ouço avante camarada avante, mas avante onde se todas as portas por onde quis entrar estavam e permanecem fechadas com os mesmos papeis brancos onde esta escrito: em manutenção. Eu não cresci numa pequena aldeia mineira. Eu cresci numa cidade com 16 mil habitantes, que vivem a espera que estes papeis sejam arrancados como se faz com as ervas daninhas, para se poder ver o que esta por baixo.

  Precisei entrar hoje nesta pequena aldeia para sair do estado dormente em que me encontrava. Precisei de bater numa porta que não esperava ter fechada para me lembrar que aquelas que encontrei toda a vida fechadas não o deveriam estar. Percebi hoje que consenti toda vida com estes papeis, que me deixei levar por me dizerem que não tinha idade ou que não tinha voz, mas hoje sei que tenho uma voz, que não grito em rebanho: avante camarada avante, pois enquanto estes se ocupam a lamber os taxos, eu bato de frente nos papeis brancos que dizem: em manutenção. 
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“The Trial of the Chicago 7”, resistência e incorporação

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