Esses dias estive a ler um anúncio sobre um novo aplicativo de smartphone chamado Happify. O novo software permite monitorizar o estado emocional das pessoas em tempo real. São fornecidas sugestões de como trabalhar os pensamentos, estatísticas diárias sobre o seu desempenho nas tarefas realizadas, além de desafios online entre usuários e estabelecimento de metas em diferentes esferas da vida. O custo da aplicação é em torno de 13 Euros por mês.
O sucesso da Happify retifica a relação estreita e recíproca entre a fetichização e a comercialização da felicidade em um mundo capitalista. Se apenas esse sentimento tivesse permanecido como valor abstrato, ausente em sedução, ela não estaria inscrita com tanta força no mercado e nem nos sistemas políticos de responsabilização dos países. A indústria parece ter se aproveitado da abstração - ou falta de conteúdo específico - gerada pelo conceito de felicidade para, finalmente, transformá-la em um conceito altamente plástico e móvel, adaptável a uma vasta variedade de situações. O discurso ambivalente presente na linguagem do mercado perpetua esse consumo constante: prometem-te a tua melhor versão mas persistem na incompletude do Eu. A soma destes dois fatores vai resultar em uma felicidade enquanto bem extremamente transacionável.
O capitalismo do século XXI deu efetivamente o nascer de uma poderosa economia da felicidade. Esta em si tornou-se fetiche de uma indústria global que emergiu e que continua a expandir em torno da oferta e da procura em um movimento proliferativo imensurável de emoções comercializáveis. Estamos a falar de serviços, terapias e bens produzidos e consumidos enquanto técnica científica para um aperfeiçoamento interior e próprio. São vendidos e comprados com base na crença comum de que a felicidade é irrefutavelmente o investimento pessoal mais valioso. O produto mais almejado.
Essa automonitorização gerada pelo aplicativo sobre o próprio bem-estar não surpreende: é também na verdade um instrumento de vigilância em massa em que as emoções são usadas como pesquisa em larga escala para traçar perfis e prever o comportamento das pessoas. O que mais assusta é o gigantesco envolvimento das pessoas na sua autovigilância para o lucro dos grandes negócios. Em contrapartida, a sedutora promessa de um total gerenciamento de si pode se tornar facilmente uma frustração quando não nos vemos tão preocupados com a nossa disciplina e/ou determinação.
A resolução oferecida pelo mercado, ou seja, o ato de comprar ou investir monetariamente em algo promove-nos a falsa consciência de assumir o controlo de nós mesmos e das nossas emoções. As emoções hoje em dia estão no centro da autoatenção das populações neoliberais: são a principal fonte de saúde mental mas também de sofrimento e perturbações, pelo que se exige aos indivíduos que procurem regulá-las. Dessa forma, a exigência de autogestão emocional é posicionado como um elemento-chave de incentivo ao consumo. Podemos observar que o maior desejo dos consumidores nos dias de hoje é de controlarem eficientemente a sua vida emocional e não mais tanto o de alcançarem um status mais elevado com a possessão de bens materiais.
Acho que a felicidade virou um conceito tão central e eficaz no capitalismo de consumo que as emoções não se limitam a oferecer momentos passageiros, elas na verdade teriam o poder de remodelar um estilo de vida, um modelo de individualidade dos cidadãos neoliberais. Esses cidadãos são clientes de uma busca instintiva da felicidade e vivem a base da falsa convicção de sua plena funcionalidade e o seu pleno valor enquanto indivíduo.
Júlia Prata nº 12483