Prazer Visual e Voyeurismo
A história do cinema de Hollywood está
fortemente ligada à manipulação do prazer visual. Na medida em que, através de
jogos de sedução e ilusão, os espectadores ficam extasiados com a beleza que
observam. Essa manipulação é centrada na objetificação da mulher que por sua vez está refém duma ordem
patriarcal dominante. É um retrato da mentalidade da sociedade americana das
décadas 40/50/60 do século XX, mas são dinâmicas que perduram até aos dias de
hoje implicitamente, na forma como a mulher é vista nos contextos
cinematográficos. Embora seja mascarada pela beleza formal. A beleza das
atrizes de Hollywood tornaram-se padrões de beleza. E quando alguém se torna o
modelo duma cultura visual surgem obsessões. A forma como a mulher é subjugada
ao carácter simbólico das personagens masculinas, com o seu ego ideal cria
ilusões nas mentes dos espectadores. Isto é, ao observarem os comportamentos
das personagens masculinas que, inevitavelmente, fazem com que as belas
mulheres se apaixonem por eles, faz com que os homens transponham esta narrativa
para a realidade. Quando um filme não passa de uma ilusão da realidade. Esta
narrativa também impacta as mulheres espectadoras. Ao observarem os comportamentos
(encenados) das atrizes, ficam com a ideia de que vão conseguir conquistar um
companheiro que lhes proporcione segurança e estabilidade ao copiarem os mesmos gestos. O que demonstra como a cultura cinematográfica influência a sociedade.
Quando se vê um filme tem-se a sensação de que se entra noutro mundo de forma
provisória, olhando para um mundo privado (ilusório). Exaltando assim a
dimensão voyeurista e abrindo portas para a escopofilia fetichista. O mundo do cinema
explora esta dimensão para reter o seu público. O mesmo público que busca nos
filmes uma inspiração, um ídolo, um herói, um ícone. O cinema tem uma clara
dimensão antropomórfica, fazendo com que seja um terreno fértil para esta procura
incessante. Em Rear Window (1954) de Alfred Hitchcock, a escopofilia e a
dimensão voyeurista está bem latente.
Este clássico
cinematográfico, conta-nos a história dum fotógrafo, L.B. Jeffries (James
Stewart), que passava a sua vida a viajar até que teve um acidente que o
incapacitou. Por aborrecimento e ócio, começa a espiar a vida rotineira dos
seus vizinhos através da janela do seu apartamento. Após alguns dias a
acompanhar a vida alheia, cria uma narrativa que um dos seus vizinhos cometeu
um assassino. Fica obcecado e não descansa até resolver o mistério que o
assombra.
Este filme exprime
que os fotógrafos são por excelência os voyeurs contemporâneos, e é este
mesmo fotógrafo que irá envolver-se na ficção na vida alheia.
O crime que
imaginara de facto ocorreu, mas não como Jeffries tinha pintado na sua mente;
essas mesmas diferenças e semelhanças que imaginamos e o que de facto ocorre é
uma espantosa metáfora. A um dado momento da história do filme, já não lhe
satisfaz espreitar a vida alheia apenas a usar os seus olhos e vendo através do
vidro da janela traseira da sua casa. Recorre a lentes de ampliar para observar
ainda melhor, o que é que aquelas pessoas estão a fazer dentro dos seus apartamentos,
caindo numa profunda escopofilia. Rear Window é, portanto, um
extraordinário filme acerca da ilusão e da transformação que operou na imagem e
sobretudo no observador moderno, que se deixa iludir cada vez mais.