Abismo
Ao olharmos permanentemente para dentro de um abismo, deparamo-nos
com o nada. É como se não tivéssemos mais nenhuma figura e o fundo nos engole,
apossa-se do que nos rodeia para depois invadir-nos a alma.
Depois de pensar sobre a frase “Quando se olha muito tempo
para um abismo, o abismo olha para ti” (Nietzsche), cheguei à conclusão que a consciência é
o ponto de estrangulamento. O estrangulamento resulta desta imposição que nos
dá ilusão de um limite real de algo que é contínuo. Ele é passageiro, leva o
tempo de uma vida, antes do retorno ao contínuo, àquilo que não tem limite nem
presença. Este olhar para dentro de si começa como numa espiral, onde primeiro
tentamos entender, dar significado, para lentamente ir perdendo completamente
os referenciais sejam linguísticos, simbólicos, ficando expostos a um sentir
sem palavras, sem imagens sem conceitos. Não conseguimos pensar o impensável,
encontramos o nada absoluto… Se demorarmos o tempo suficiente a encarar o fundo
do abismo, o sentir conhecido, os ecos corporais vão se tornando distantes,
abrindo espaço para sentirmo-nos cada vez mais estranhos, como se estivéssemo-nos
a projetar no vazio... o mesmo vazio sem referencial que insistíamos em tentar perceber
no fundo sem fundo do abismo.
É como se de alguma forma, retornássemos ao ponto de partida.
Um ponto de partida que é tanto de partida como de chegada…portanto um contínuo.
Um plano constante onde a única coisa que se interpõe entre o dentro e fora é a
nossa consciência, a nossa noção de corpo físico. Parece-me que o limite de nossa consciência
está ligado ao quão sufocado é este ponto onde moram nossas perceções: se for
demasiado apertado, perdemos a conexão com aquilo que somos, interrompemos o
simples fluxo do fora e dentro, vendo-os como coisas absolutamente separadas. Se
por outro lado, for demasiado solto, aproximamo-nos dos eremitas que buscam a tranquilidade e
perdemos igualmente a conexão com qualquer coisa que tenha significado.
A quebra do nosso elo de consciência é certo. É apenas uma questão de tempo. Talvez devêssemos apreciar e conhecer melhor os grãos de areia da nossa ampulheta (Principio do Eterno Retorno), tendo em conta que são os mesmos de um lado e do outro e que basta estarmos atentos para vê-los a passar diante dos nossos olhos.