Sou a Menina do Meu Papá... e o Mundo da Minha Mamã

 "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher." - Simone de Beauvoir.

A partir do momento em que se espera o nascimento de uma criança, os primeiros pensamentos dos pais e de todos os humanos em redor relacionam-se com o sexo da criança. Será a designação sexual feita antes da criança nascer que abrirá todas as portas seguintes: que nome vai ter, o tipo e a cor das roupas a comprar, o tema do quarto a decorar, os brinquedos com que irá brincar e de uma maneira geral a forma como todos vão criar as suas expectativas para o seu futuro comportamento e aparência. 

É um pouco bizarra a diferença entre as roupas de bebé de "menino" e de "menina". Utilizo aspas porque, na verdade, as roupas servem para qualquer bebé, independentemente dos órgãos genitais que possuem. Mas são atribuídas conotações de género a estas roupas, seja através das mensagens gráficas que transmitem ou dos símbolos e cores que têm, que apelam aos adultos que vestem as crianças e servem de uma forma muitas vezes absurda para afirmar o género da criança e para lhe atribuir uma personalidade e características que esta não possuí ainda. Uma rápida pesquisa no motor de busca Google permite-nos apontar algumas diferenças, apenas mudando uma das palavras nos termos de pesquisa:

Baby girl clothes

 

 vs. Baby boy clothes.
 


É desde logo clara a diferença cromática entre os dois exemplos: as roupas de "menina" são em sua grande maioria em tons de rosa mas não exclusivamente, podendo notar-se dentro dos resultados da pesquisa uma grande variedade de cores vivas e padrões infantis e carinhosos como corações e flores. No entanto, as roupas de "menino" são em grande número em tons neutros como brancos, cinzentos e pretos, sendo que as únicas outras cores que vão aparecendo são as que se associam tradicionalmente à masculinidade: azul, verde e vermelho. Os seus padrões são também notavelmente menos "folclóricos", muito à base de riscas e animais.

As mensagens que transmitem são também extremamente diferentes: enquanto que as das "meninas" têm na sua maioria mensagens infantis e passivas, de delicadeza e carinho sobre os pais ("A Princesa Chegou"; "Sou a Menina do meu Papá... e o Mundo da Minha Mamã"), as dos "meninos" são geralmente de um teor menos infantil, apelando a um lado mais brincalhão e namoradeiro até, como se tentando defender a virilidade de um bebé ("Mano a tua Senhora Não Para de Me Olhar"; "Bem Parecido Tal Como o Pai").

Um bebé não se poderia importar menos sobre o que está a vestir desde que seja confortável. O propósito da existência destas roupas é apenas apelar aos adultos que anseiam categorizar uma criança de acordo com os ideais da sociedade, especialmente àqueles aos quais incomoda mais que o seu filho seja confundido com uma menina (ou vice versa). É o tentar tornar mais cedo possível em homem ou mulher uma folha em branco, atribuir masculinidade ou feminilidade a um ser que não compreende esses conceitos, diferenciar a forma de tratamento entre um e outro desde o seu nascimento para que estes se conformem o mais rápido possível com os ideais da ideologia corrente. 

É interessante observar casos (cada vez mais crescentes) em que pais tentam criar as suas crianças evitando este tipo de categorização, vestindo a criança em vários tipos de roupas diferentes e, quando estas começam a ter a possibilidade de escolher, deixando-as explorar e utilizar aquilo que as chama mais independentemente da sua conotação de género. De que forma é que isso tem impacto no desenvolvimento e experiência de vida de uma criança? Será mais feliz que os seus parceiros?

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