Eu vivo com a minha mãe e com o meu padrasto e trocámos de sofá recentemente. Antes não usávamos a sala e cada um ia para o seu quarto ou cozinha, agora, a sala passou a ser mais frequentada e eu sinto que também devo estar lá.
A minha mãe nasceu em 1961, viveu no campo até ser adulta, casada, ter filhos e mais um bocadinho. Pelo que sei, o tempo que não se passava a trabalhar, passava-se em família. Não haviam tantos estímulos naquele tempo ou requeriam mais esforço. Os meus irmãos têm mais 13 e 14 anos do que eu, é uma grande diferença de idade entre irmãos mas em tempo de civilização não é assim tanto, eles ainda passavam tempo com a nossa família.
Com o sofá novo e a minha família toda lá, eu sinto uma obrigação e um desejo de estar com eles, passar um serão todos juntos. Quando estou sentado, no momento de família, em que se deve aproveitar, apercebo-me que não gosto de nada do que se vê na televisão, temos gostos diferentes em programas e filmes e ao mesmo tempo tenho uma sensação estranha de que estou a perder tempo. No meu quarto tenho o computador e todos os meus interesses.
Existe uma expressão que é fomo (fear of missing out), talvez seja uma adaptação disso, eu acho que estou a perder tempo porque no meu quarto tenho toda a informação disponível que posso vir a querer saber, sei que tenho uma lista de vídeos, séries e filmes à minha espera, e a sensação estende-se a mensagens com amigos que estou a perder, se não participar, não aumento o valor da nossa relação, não crio momentos. Lembro-me de uma entrevista ao comediante americano, Bo Burnham, que tinha este sentido, ele, em criança, estava com os amigos e divertia-se, quando diziam adeus, iam para casa e ficava por ali, em casa ele estava sozinho e fazia as coisas dele normalmente, hoje em dia, as crianças fazem o mesmo até chegar a casa, a partir daí, estão sozinhas mas sentem solidão se não falarem com os amigos. Há uma noção de que tudo continua a acontecer fora de casa, nos eventos em que não estamos, estamos mais ligados uns aos outros. É o caso que foi discutido em aula, se eu não estiver a olhar para algo, esse algo existe ou aparece só quando eu possibilito a sua existência na minha mente? Parece que se aplica aos tempos de há uns tempos, as pessoas esqueciam mais, ou melhor, viviam o momento em que estavam inseridas.
Todas as ligações que nos são possibilitadas hoje em dia parecem afastar-nos das pessoas com quem estamos na realidade, eu não estou com a minha família, eu estou com todas as pessoas que não vivem comigo, eu quero toda a informação e conteúdo para sentir que não fico para trás porque vivemos numa sociedade em que acontecem muitas coisas, muito rápido e temos de saber tudo (sociedade de informação). A tecnologia é uma genialidade dos humanos, os sistemas de comunicação são incríveis e a qualquer momento aprendo mais uma coisa mas ainda não sei como foi o dia da minha família.