Les Mains Négatives (1979) Marguerite Duras (à esquerda) e imagem de divulgação, mãos em negativo na Caverna de Gargas, 27000 anos (à direita) |
«Chamam-se “mãos negativas” as pinturas de mãos encontradas nas grutas magdalenienses da Europa Sul Atlântica. O contorno dessas mãos – espalmadas sobre a pedra – era coberto de cor. O mais frequente de azul, de preto. Às vezes, de vermelho. Nenhuma explicação foi encontrada para esta prática… »
assim começa o filme de Marguerite Duras. Este breve filme, mas sobretudo o texto que o acompanha é um eleito pessoal, fico abismada com a força da palavra d’ela.
ele — sozinho, de frente para aquele espetáculo de mãos… 30000 anos à sua frente… grita «tu tens um nome e uma identidade/ eu amo-te». Grito que pressupõe uma escuta, aquelas 230 mãos singulares escutam-no; “A mão abre-se à palavra, abre-se à distância.” (Jabès). Mãos, que são como as nossas, tocam no escuro do desconhecimento, trazem-nos a aprendizagem.
A distância que se abre entre as mãos que escutam e ele que grita (como também, a imagem de Paris na década de 70 com aquela de 30000 anos) torna-se indefinida, gesto e voz unem-se num só momento presente.
ele — grita «eu sou aquele que chama/ eu sou aquele que chamava que gritava há trinta/ mil anos/ eu amo-te/ eu grito que te quero amar, eu amo-te/ eu amarei quem escutar o meu grito».
A fala implica a experiência, é algo que ocorre. A fala tem ocorrência na língua, mas não é a língua que ocorre.
A fala é singular e vocalizada, a língua apela ao colectivo, carrega consigo uma experiência acumulada da palavra. Palavra que é sempre partilhada, herdada e transmitida.
A língua necessita dessa herança dos muitos que vieram à terra, “é uma exigência a transmissão, aprender a falar, ensinar a falar, constituir uma tradição”, escreve Maria Filomena Molder em “O absoluto que pertence à terra”.
Pode-se então pensar a linguagem como um ser chamado, a língua ou «langue» como ausência e a fala ou «parole» presença. Não se trata de comunicar o primeiro, mas sim a presença. A linguagem teria então essa missão secreta de voltar a tornar presente.
Podemos pensar os pintores das mãos negativas dessa mesma forma. Representar é devolver a presença, tornar aparente. Apresenta o “presente” mas afirma que nesse mesmo movimento, a personagem já não se encontra em cena. Ele que grita expressa a vontade de testemunhar o tempo; tempo que assusta mas que também convida a dançar.
Gosto de pensar a linguagem como um testemunho — passar a palavra —, uma carta de amor fechada que carregamos, que guarda no seu interior o bilhetinho: eu sou aquele… e por isso, amo-te.